Ignorâncias?

Estou a ouvir falar o José Miguel Júdice na SIC notícias no Jornal das 9. Fala muito, menciona a palavra credores (vezes demais penso...) e diz de cátedra que os credores do atual estado de coisas das pobres finanças nacionais têm o direito e uma palavra a dizer em como a estratégia futura do Governo se deve delinear. Que engano de conceito e virtude. Como é permitido dar tempo de antena a tais propagandas e pior, fazer delas uma realidade ameaçante?

O que é um credor? É um indivíduo ou entidade que emprestou dinheiro a título especulativo para uma organização ou indivíduo. Começou inicialmente com o nome de investidor e só se transformou em credor quando chegou à conclusão de que há fortes indícios de perda total de capital. De investidor a credor é um pequeno passo, um jogo de espelhos, zangas e reconciliações. Um investidor só pretende fazer mais dinheiro e quando empresta sabe que há um risco inerente de perder o seu capital, de se transformar num credor.

Em Inglaterra, no último ano, pelo menos três grandes empresas de alcance nacional foram à falência. Lembram-se da HMV dos discos? Mais a Comet que vendia uma pletora de produtos elétricos e eletrónicos tipo Worten (alerta aí oh Worten), juntando um clássico que usei muitas vezes... a Jessops que vendia equipamento fotográfico e ainda outra menor no mesmo ramo, Jacobs. Todas faliram e todas chamaram os administradores, especialistas em verificar a viabilidade das empresas (se alguma) ou dividir o espólio final, se algum, em partes equitativas pelos credores que se chegarem à frente. A Comet desapareceu, parte da Jessops foi comprada e muitas das suas lojas estão ainda abertas e a HMV também sobreviveu com uma sangria de pessoal e lojas. Em nenhum dos casos acima citados os credores tinham uma palavra a dizer em relação ao futuro (ou não) dessas empresas. Muitas empresas em administração mantém a sua estrutura diretiva pois o know-how destes últimos é muitas vezes fundamental, se há um vislumbre de viabilidade. Vou dizer isto uma vez (tipo Allo Allo): a um credor só é devido o retorno do seu investimento, muitas vezes sem juros. Em brejeiro, ou o taco volta ou faz barulho ou lambe as feridas e vai para outro lado. Um credor não tem qualquer papel na estratégia da liquidação ou reconversão do devedor. Não teve antes, porquê agora?

O papel que o José Miguel Júdice descreve não é o de um credor mas sim de um outro tipo de investidor... um sócio. Ora que eu saiba, as atuais entidades descritas como "credoras" do Estado Português, não entraram em qualquer pacto de sociedade com República de Portugal SA. E aqui vem o paradoxo... se entraram como qualquer sócio comum, têm responsabilidade nos lucros e perdas da empresa a que se associaram. Sendo assim, sócios, teriam uma palavra a dizer quando os administradores entram para liquidar ou reconverter a empresa e, como é lógico, não têm direito a compensação, são até... devedores!

Acho pouco honesto da parte do José Miguel Júdice, confundir conceitos e apregoá-los na Televisão nacional deste modo. Acho também preocupante, se é o caso, que se tenha como fato consumado a intromissão dos credores na política financeira nacional. É de uma boçalidade ingénua de uma ignorância ou pior, consciente manipulação, autorizar credores a tomarem parte na decisão do futuro do país devedor. É eticamente corrupto e não teria cabimento em qualquer jurisdição de países capitalistas nomeadamente os Estados Unidos, os administradores serem ao mesmo tempo credores. Seria inadmissível. E isto pelo simples facto de qualquer credor só ter em vista a recuperação do seu capital (disse isto pela segunda vez, as minhas desculpas) sem qualquer escrúpulo em relação ao devedor, o seu futuro ou viabilidade. Por isso eles que fiquem lá muito quietinhos e caladinhos onde estão, se querem o dinheiro de volta algum dia. Quanto mais se imiscuírem menos sobra para cada um, quando finalmente se chegar à conclusão que a única opção é a de dividir os magros ossos cadavéricos do espólio nacional.


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