Semânticas vs. Cerúmen

Há histórias que se passam em grupos fechados e ficam a fazer parte de uma micro cultura, partilhadas por não mais do que duas dúzias de pessoas. Se eu mencionar a palavra "imposturice", a maior parte dos meus amigos recordará o episódio a que se refere, e mesmo que não se lembrem bem, usam a palavra diáriamente num contexto que tem pouco a ver com a sua utilização inicial... mesmo eu, numa memória esfumada, não conseguirei descrever todos os factos nos seus mais ínfimos pormenores, ainda que  tenham sido contados em curto circuito permanente, durante um fim de ano de 1991 com alegrias e risos infindáveis, amplificados por produtos fumegantes de Marrocos e líquidos de Leça do Balio, num frio Inverno da Serra do Açor.


Lagoa de Santo André faz muito tempo, malta a bebericar imperiais numa "A Fragateira" a suar por todos os poros. Passa um ambulância devagar, a qual se dirige para um extremo da praia, para uma daquelas casas de pescadores que nunca viram papel de arquitecto. Indiferença quase geral... a ambulância de retorno, lenta, começa a subir pela estrada ainda sem pressas. Silêncio... tipo faroeste, entrecortado pelo estridor das cigarras a queixarem-se de mais um Verão violento. Depois um diálogo, ronceiro, com sotaque alentejano o qual nem vou atentar reproduzir fonéticamente...

— Aquela ambulância foi levar a Ti Maria pró hospital porque ela precisa de fazer uma laqueação das trompas. — declara a Teresa com conhecimento de causa.

Silêncio...

... interrompido pela Zéfa que bate com o copo na mesa e diz indignada:

— Mas isto é muita imposturice junta! Então uma mulher daquela idade precisa lá de fazer uma maquilhação das trombas...

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