Quero Ser Rei



Lauren Laverne poderia passar pelo estéreotipo de “Loura” porque é... loura. Tem também aquela imagem de rosa inglesa porque o é, embora com um orgulho nortenho e constante desmarcação cultural temperada com humor e ironia em relação à omnipresença e sufoco da intelligentsia londrina. Mas como deveria ser, as aparências iludem e este caso comprova-o.

Num programa recente que passa na BBC1, “Room 101” (aquele nefasto quarto orwelliano de 1984, onde tudo do pior e, pior ainda talvez, onde nada se passa) Lauren foi convidada a colocar nesse quarto, algo que repudiasse e se quisesse ver livre para sempre... a resposta foi “Bandeiras!” (saltem até ao minuto 32:20 para confirmarem.)


“Nada de bom veio para a Humanidade através de bandeiras: guerras, nacionalismo, racismo, o vestido da Geri Halliwell... talvez tenham tido o seu significado num passado (medieval acrescento), mas agora está na altura de seguir em frente.” e diz ainda... “Talvez autorizasse uma bandeira branca com o nome do país escrito numa fonte pré-estabelecida acordada por todos. Ninguém acenaria tal bandeira para começar uma guerra ou... usaria tal em toalhas de praia!”.

Penso que a escolha da Lauren Laverne de pôr bandeiras para sempre no Quarto 101 é de todo acertada. Isto leva-me como de costume um pouco à tangente na tentativa de compreender a estrutura ideológica de alguns bons amigos meus, quando advogam a monarquia e tentam literalmente desfraldar bandeiras e símbolos que perderam de todo a sua função tornando-se até, risíveis.

Muita gente diz que Portugal estaria melhor numa Monarquia com o D. Duarte à cabeça coroado. E não faltam lôas tecidas à sua rectitude, à maneira como se desenvencilha com os "seus pares" estrangeiros, chegando ao absurdo de lhe ser atribuído o sucesso da independência de Timor Leste e outros triunfos da diplomacia nacional; esquecem-se no entanto que há muito mais gente por aí de carácter com rectitude, moral e frontalidade, que estas qualidades não são de todo genéticas ou exclusivas de uma pequena parte "dourada" do seu ADN. Continuam a argumentar que na Europa os "melhores" países são monarquias esquecendo-se que realmente não o são... O exemplo da Coroa Britânica é sem dúvida o mais apregoado e também sem dúvida o pior, ineficiente, racista, cheio de compromissos, cheio de momentos omissos, tendo na sua maior utilidade funções de turismo, propaganda e venda de títulos numa imprensa que finalmente está a ser desmascarada como dúbia e criminosa.

Esquecem que por cada Holanda ou Noruega há uma Coreia do Norte, uma Líbia, uma Síria, Arábia Saudita, Zimbabwe, Angola... dinastias sem fim. Haverá sempre um Kim Jong ou mais para cada Olavo,
Esquecem também que por cada D. João II há muitos IIIs, Sebastiões, Afonsos vários, por cada D. José I há um D. Manuel I e II... para cada Elizabeth I há pelo menos uma II e esquecem também Nelson Mandela, Vaclav Havel, Lincoln, FDR, JFK, de Gaulle...

É óbvio que a palamenta nacional é muito pobre, não há práticamente ninguém desde o Rei D. Carlos (e talvez o Sidónio Pais) que tenha sido suficientemente consequente para ser respeitado e até amado pelos seus representados, que depois de uma sequência negra de nomes como Américo Tomás, Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva, o desespero comece a atingir limites incomportáveis. Mas daí a ir buscar o Duarte é dourar a pílula a um limite semelhante. Maldizer um sistema com a miragem de um outro com o mesmo património genético, será sempre um exercício de enganos.

E o sofisma final... quero ser Rei e não posso... porque o meu pai não é... Rei. QED

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