Música

Gosto muito de música, de todos os géneros e feitios e como todos os géneros e feitios há músicas que me tocam mais do que outras. Já repararam que em português o verbo "tocar" tem dois significados que no final são só um?

Referi num texto anterior a beleza e estética musical do trio de jazz Esbjörn Svensson Trio e de como as suas composições me tocam. Mas gosto de mais, tenho em permanência no meu MP3 orquestras, pianistas, bandas de rock, guitarristas, progrock, canções, tudo. No entanto há sempre aquela canção, aquele tema especial, o topo da lista e para não ser injusto, os dez melhores. Não, não vos vou impingir a minha lista dos dez melhores, a cada um a sua por razões pessoais, mas vou falar de um só tema que para mim permanece inexplicável, como me toca e por quem o toca.

Há muitos anos atrás tive o privilégio de conviver diáriamente com a Maria João Pires. Ouvia-a ensaiar ao piano, pouco porque não precisava, muitas vezes a interromper tarefas domésticas súbitamente, para ir dedilhar nas teclas durante alguns minutos algum pedaço de música que poderia ser aperfeiçoado ou relembrado. Às vezes perguntava-me "o que achas que toque como extra neste ou naquele concerto?" pergunta que se tornou tão frequente que fiquei apodado brevemente de "Paulo dos extras". Não fosse por isso e provávelmente nunca teriamos ouvido Chick Corea interpretado pela Maria João Pires.

Mas havia esta música que me estava gravada na memória na altura e quando mais uma vez a pergunta veio eu disse:

— João, tu tocas uma música que eu gosto muito e que não te oiço tocar faz muito tempo, não sei bem quem é o compositor, talvez Schumann. — a João foi ao piano e começou a tocar entradas do Bunte Blatter ou Kinderszenen... Poderíamos estar aqui uma eternidade a percorrer o repertório!
— Não João, nada disso, é uma música que dura para aí cinco minutos talvez Chopin, um dos Prelúdios? — e lá correu pequenos apontamentos dos 24 Prelúdios.
— Não João, não tem acordes fortes, é como ondas sucessivas de notas rápidas.

Silêncio para pensar... e a pergunta:

— Será Mozart? Beethoven?
— Não João. É qualquer coisa mais romântica, talvez Liszt mas tu não tocas muito Liszt.
— Então deve ser Schubert. — respondeu. Mais uma pausa e começou a tocar. 
— É essa mesmo! — exclamei.

A Maria João olhou para mim com uma certa surpresa. A música que tocou não tinha qualquer dificuldade para ela. Penso que poderia estar 30 anos sem tocá-la que sairia perfeita pelos seus dedos imediatamente e de uma tal maneira que mais nenhum mortal poderia tocar; e por essa razão talvez não se apercebendo como a sua interpretação teria um tão grande efeito em comuns mortais como eu.

Não dá para explicar porquê ou como, dissecar o tempo, a interpretação etc. Por isso é melhor ouvir... Aqui fica a minha música nº1






Comentários

  1. O céu pode esperar.

    Obrigado Zé Paulo por mais um momento de sensibilidade pura.

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  2. Com música desta mais vale ir ficando por aqui mais uns tempos.

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