Foi o melhor que se pôde arranjar

Vou contar uma pequena história que poderá ser aplicada às actuais medidas que os nossos insignes governantes andam a tomar. Pessoalmente, pela qualidade da governação apresentada, acho que andam a tomar coisas mais fortes do que meras medidas. Aqui vai então a parábola da fechadura.

Há muitos anos atrás, quando ainda vivia com os meus pais, numa certa manhã de Domingo o telefone tocou:
— Está? Paulo? É o teu vizinho de baixo, o Sr. X. — surpresa minha pois ele poderia ter subido as escadas, tocado à campaínha e falado directamente comigo; naquela altura os TLP cobravam tudo. — Podia contar com a tua ajuda? Estava a pôr uma fechadura nova mas acho que está alguma coisa errada . Quando fechei a porta para testar, tranquei a fechadura mas a chave agora não roda. Estou trancado por dentro.
— Não há problema Sr. X. Desço já e logo vejo como posso ajudar. — desci um lance e tive uma breve conversa com o meu vizinho com uma porta fechada pelo meio.
— E já tentou pôr óleo na chave? e na fechadura... — e outras sugestões que já tinham sido tentadas sem sucesso. A fechadura tinha trancas verticais (modernices da altura) e de momento inamovíveis.
— Paulo!... eu atiro-te a chave da janela e tu, se fizeres favor, tentas abrir a porta do lado de fora. — sugeriu o Sr. X. E assim fiz... desci as escadas, o meu vizinho apareceu à janela, qual menina do Vitorino, e atirou-me uma chave que abriria as Portas de Santo Antão. Subi as escadas, pus a chave na fechadura... entrou, tentei rodar... nada! 
— Vou buscar óleo para pôr deste lado a ver se funciona. — volto a casa, já em hilaridade quase descontrolada, descrevo a situação ao meu irmão, os dois a rir a pensar no meu vizinho e esposa fechados em casa, após uma muito mal sucedida experiência de bricolage.
Óleo então, já à porta com o meu irmão a mandar bitaites também. A chave... nem um piu!
— Sr. X! vou buscar um alicate para ter melhor alavanca e ver se isto roda.
Subir outra vez, descer, agora munido de alicate, e rodar lentamente com o meu irmão a observar.
— Está a ir, está a ir Sr. X — gritamos ambos em observação e esperança. A chave roda e de repente zás, trás, parte-se e fico a olhar embasbacado para o meu alicate com o topo da chave a aparecer entre as pontas. Olho para o meu irmão, os nossos ombros sacodem em silêncio numa tentativa de controlar o riso.
— Então? — pergunta o Sr. X que por momentos tinha ficado esquecido. 
— Desculpe Sr. X mas a chave partiu-se e ficou metade dentro da fechadura. — respondo com voz contrita. — Quer que eu chame os bombeiros?
— Bolas, estou farto disto! — exclama o Sr. X, em desvaire total. E a porta começa a sacudir, com puxões do lado de dentro, a tentar abri-la com as mãos onde nem as do Incrível Hulk teriam sucesso e a esposa a gritar:
— Cuidado Xzinho que ainda te magoas. — depois um estrondo, correspondendo ao meu vizinho a estatelar-se no chão ao perder o contacto com o puxador.
— Oh Xzinho estás bem? — pergunta a esposa.
Não há resposta. Oiço a respiração do Sr. X primeiro ofegante, depois um suspiro ou dois.
— Paulo, acho que encontrei uma solução. — diz o Sr. X com uma voz tão calma quanto ameaçadora. — Podes afastar-te da porta se fazes favor?
Assim fiz. Passados un segundos, uma sucessão de embates ressoa na porta e pela escada fora. Cacetadas, e mais cacetadas, lascas de madeira começam a saltar do meu lado, e finalmente a cabeça de um martelo surge na sua totalidade. E a seguir um pé-de-cabra!!! que retira a fechadura e trancas e deixa antever, por entre um buraco enorme rasgado na porta, um Sr. X ofegante, suado e ruborizado e uma Srª X., ainda em estado de choque.
O Sr. X abre a porta agora livre de qualquer obstrução, vem para o patamar, encolhe os ombros.
— Desculpa Paulo por todo este alarido. — diz.
— Não há problema Sr. X. Pena não termos podido ajudar. — respondo.
O Sr. X agora volta-se para a porta, de costas para mim, olha para as lascas no chão, a fechadura toda amolgada, trancas torcidas e um buraco enorme (três pessoas em silêncio a contemplar a devastação). Coça então a careca atrás do ouvido direito e exclama:
— Pois é Paulo, foi o melhor que se pôde arranjar.



Comentários