A Pergunta Que Ninguém Fez

Ontem assisti com entusiasmo, quase de basbaque, a um episódio único da vida política nacional. Houve eleições. Em poucas palavras poderia dizer que se substituiu um tirano institucional por uma marionete.

Toda a gente esperou pelo discurso de derrota de José Sócrates, todos ansiosos de agir só depois, numa cobardia ímpar, com receio de retaliações fosse o caso de Sócrates continuar a querer dar cartas. Valeu a pena a espera.

José Sócrates falou à Nação. Falou como ninguém tem falado desde… Francisco Sá Carneiro. Sagaz, intenso, emocional, inteligente, discursou… melhor desmarcou-se, demonstrou que não há ninguém na paisagem nacional que se compare, um pouco como um hipotético Cristiano Ronaldo a dizer adeus ao Futebol no Estoril Praia porque os colegas de equipa se queixavam que ele não passava a bola a ninguém!

José Sócrates fez mais pelo PS ontem em 30 minutos do que o Mário Soares durante 30 anos. Por momentos ficámos todos a pensar que o PS é um partido cheio de gente interessada unicamente no progresso do País, altruísta, com valor. O encanto evaporou-se minutos depois com a “aparição” de António José Seguro no jogo do “vou mas não posso dizer que vou”. Irreal.

O ex-Primeiro-Ministro é um político ímpar. Durante anos governou o País e intimamente gozou com todos sabendo que os seus pares não tinham a menor paridade. Usou a máquina política e mediática para transformar o PS num agrupamento de interesse só comparável a defuntos partidos da Primavera árabe ou pseudo-democracias africanas tipo MPLA ou ZANU. Governou desta maneira porque pôde, porque sabia que as malhas da Democracia Portuguesa e os ínfimos rivais o permitiam, o autorizavam, o legitimavam. Sabia também que a classe dirigente e satélites se dedicam numa quase exclusividade à obtenção e acumulação de regalias e benesses. Havia “dinheiro em caixa”… deu-se! Também sabia que quando o dinheiro se acabasse não poderia manter o status, não poderia calar as vozes e invejas da gentinha que ele desprezava porque o desprezavam, ao Rei Merceeiro, sem curso, sem fidalguia, sem genealogia.
Repararam no ar de desespero quando os jornalistas lhe fizeram perguntas idiotas? Viram o balão de diálogo por cima da cabeça “Não há mais ninguém com miolos por aqui?”

Houve uma pergunta que ninguém fez, a única que teria de certo modo encravado José Sócrates e que adoraria ter ouvido a sua resposta. Seria assim:
“Senhor (ex)-Primeiro-Ministro. Disse que ama o País, que trabalha e admira o trabalho e contribuição para a Democracia Portuguesa do Partido Socialista e que fez e faria tudo pelos dois. Se assim é porque é que não se demitiu de Secretário-Geral antes das eleições e deixou o PS ir às urnas consigo à frente, dando-lhe esta derrota?”

Há duas respostas. A primeira foi um erro de julgamento de José Sócrates, de pensar que tinha uma chance, que os eleitores acreditavam no seu trabalho e o recompensariam. A segunda… Sócrates sabia que ia perder e quis punir o PS, quis pôr uma quantidade de lastros inúteis fora de São Bento, de fazer uma razia num Partido que cada vez mais desprezava. Qual a mais plausível? Se o conhecem só pode ser a segunda!!!

… e agora cansou-se, quem não ficaria cansado? E vai-se embora a sorrir, a ver um novo Primeiro-Ministro que tem menos personalidade e estatura que o Scott Tracy dos Thunderbirds. E será que volta?

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