Texas Bar


Estive a calcorrear recentemente caminhos antigos de Lisboa que agora estão a ser mais ou menos recauchutados. As minhas deambulações levam-me à célebre Rua Nova do Carvalho ali numa geografia tão familiar pois o meu pai trabalhava na Praça Duque da Terceira résvés Cais do Sodré, ligado a companhias de navegação e à tradicional quinhentista e talvez única atividade lisboeta e nacional de import-export.

À Rua Nova do Carvalho cabia o dever de proporcionar terapia emocional e sexual a todo um contingente masculino e marujo que chegava temporariamente ao Porto de Lisboa. Para mim pequenino e adolescente nos anos 60 e 70, o local era descrito como a Rua das Putas e tinha aquele ar mesclado de enigmático, proibido e mágico, associado a uma eterna condenação católica e infernal. Muitas vezes almocei com o meu pai no restaurante Porto de Abrigo na Rua dos Remolares, numa altura onde ainda se tinham duas horas para almoço e era de lei ter sopa, segundo, sobremesa e vinho, sem me aperceber que ali a menos de 50 metros de distância, nas traseiras, um alegórico cheiro a enxofre e ranger de dentes se passava ininterruptamente.

Mas ainda antes disso e a título de aguçar a minha curiosidade, o avô de um amigo meu de infância foi a primeira pessoa a dar-me uma descrição (filtrada para menores) do que se passava no local. Não me recordo do seu nome; sei que era um crioulo de Cabo Verde que se apaixonou e casou com uma portuguesa de uma aldeia ribatejana. Como se encontraram numa sociedade empedernida do após guerra e se amaram toda a vida, é um desafio estatístico e uma pura tenacidade pessoal. Mas o avô do meu amigo era um indivíduo especial. Era músico, músico profissional, vivia da música, o que para mim naquele tempo a viver num subúrbio lisboeta, era mais difícil de compreender e exótico do que todas as histórias do Falcão (e li muitas, Major Alvega e Ogan incluídos).
Ele tocava guitarra, bandolim, bandoneon (imaginem ouvir tocar um instrumento destes ao vivo, o instrumento do diabo, tangos argentinos em 1971) mas acima de tudo ele era baterista, sim, baterista da banda de suporte do... Texas Bar!!! e as histórias continuavam, marinheiros, danças, músicas e algazarras várias, de tal modo que a gerência teve de pôr a bateria (ou a banda toda) a tocar de um barco suspenso do teto. Nunca assisti mas esta descrição ficará no meu imaginário para sempre. E era o... Texas Bar. Ali debaixo do arco da Rua Nova do Carvalho, com a Rua do Alecrim a passar por cima, com outros bares evocativos da geografia mundial, o Copenhaga, Oslo, Tóquio, Jamaica...

E daquela vez em que o porta-aviões americano aportou em Lisboa com mais alguns navios de guerra da flotilha da NATO e foram despejados mais de cinco mil marinheiros que não viam terra nem sexo há muito, muito tempo. Todos ali, na Rua Nova do Carvalho, com jipes da Polícia Naval a tentar mostrar respeito, todos a fazerem bicha para as "senhoras" (grande noite de negócio seria aquela), a partilharem amor e gonorreias, para depois continuarem a fazer bicha no dia seguinte no médico do barco para uma consequente dose de antibióticos. 

O Texas já não é mais... agora muito mais metrosexual chama-se musicboxlisboa.com porventura o barco suspenso também já não é... e ainda desta última vez que passei por esta rua agora pintada de cor-de-rosa, salvo seja a ironia, ainda senti ou pressenti um passado de sussurros e piscar de olhos, daquele comércio de afetos que se repetiu milhões de vezes.

E talvez não seja coincidência, talvez afinidade, que uma das primeiras músicas que aprendi a tocar foi a "Sweet Painted Lady" do Elton John, a que melhor descrevia histórias que para mim foram de infância.

"I'm back on... dry land once again
Opportunity awaits me like a rat in a drain
We're all hunting honey with money to burn..."

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