Na Portagem

Pois é... às vezes temos discussões despropositadas às horas mais díspares. Esta não é das mais recentes, não tem a ver com políticas ou outros temas tórridos. É apenas uma pequena lição de paciência e de Serviço a Clientes numa época em que este tipo de “serviço” era totalmente desconhecido.

Passa-se em 1900 e... oitenta e... depois do nosso amigo Maneli, Pôr-do-Sol, Black & Decker e finalmente Da Vieira se ter mudado com carácter definitivo para a Vieira de Leiria e tornar-se, após muita receita farmacêutica aviada, num bastião da comunidade local. Antes disso algumas excursões “punitivas” foram feitas à Vieira, para avaliação sistemática do entrosamento do nosso amigo Maneli na comunidade Vieirense. Desculpas, com origem em Oeiras e vários intervenientes comilantes e beberantes. Pois então, num belo dia eu e o meu amiguinho Orlandinho, lá fomos num Sábado a uma patuscada na Vieira, que inclua o tradicional marisco, moambas e outras iguarias, tudo regado com Sagres e Super Bock e outras bebidas de qualidade.

Nessa altura era ainda recente o novo troço de auto-estrada que nos levava até Aveiras de Cima e que tinha duplicado a quilometragem de auto-estradas nacionais. Lá vamos nós, de carrinho e chegados ao Carregado é altura de pagar a portagem como é de direito, à Brisa. Assim se faz e logo a seguir ao entrarmos no troço novo (com duas faixas na altura) verificamos que a faixa do lado direito está ladeada de cones e a velocidade máxima é de 80Km/h. Esta característica mantém-se lentamente até Aveiras de Cima. Sentimo-nos um pouco defraudados e comentários do tipo “Que é esta merda? Então a gente paga para andar numa auto-estrada e temos cones e uma estrada inferior à A1 onde nem sequer se pode ultrapassar? Fomos roubados! Temos de reclamar! Nem sequer avisaram nem nada! Ca ganda gamanço!”

E assim lentamente nos esquecemos durante o dia do episódio de faixa única, cortesia da Brisa. Mais almoço mais cerveja, mais lanche mais cerveja, mais jantar mais cerveja, mais bar mais cerveja, mais discoteca mais cerveja mais whisky, mais discoteca mais whisky mais... está na hora de voltar pois são 4 e meia da matina, numa altura em que soprar para o balão só em festas. O regresso faz-se de tal modo que penso que a viatura poderia movimentar-se só com os vapores alcoólicos exalados pelos intervenientes.

Aveiras de Cima... auto-estrada de regresso, 5 da manhã, mais cones, mais faixa única o que torna a ziguezagueante condução ainda mais difícil. Pois é “Desta quando chegarmos à portagem reclamamos! Cabrões, FDPs, andam a gamar outra vez!” não me recordo se o discurso era límpido ou se a língua estava com algumas dificuldades de expressão.

Paramos na portagem... o Orlandinho baixa o vidro para o portageiro que está de mão estendida à espera.
- Nós queremos não pagar! (entaramelados ou enfáticos, não me lembro)
- Porquê?
- Porque nos está a pedir pagamento por um serviço que não nos foi oferecido!
- ??????
- A portagem é para a utilização da auto-estrada que é suposta ter duas faixas, ultrapassagens e um limite de 120 Km/h. Durante todo o percurso só tivemos uma faixa onde nem sequer se pode ultrapassar ou seja o serviço de auto-estrada não existe neste momento (note-se que não havia vivalma durante todo o percurso).
- Ah! estou a perceber.
- E isto também aconteceu à ida. Queremos o dinheiro de volta! (trocadilho não intencional)
- Ah mas se querem o dinheiro de volta têm de apresentar reclamação por escrito.
- Não, nós queremos não pagar porque o serviço não existe.
- Eu não posso aceitar a vossa reclamação aqui na cabina a esta hora e para reclamar têm de pagar primeiro.
- Não! nós queremos não pagar! (persistência!)
- Se não quiserem pagar tudo bem, podem ir mas estarão a cometer uma infracção...
- ???
- ... que dá multa e tribunal e o resto!
- !!!! nós queremos não pagar! (já a perder vontade!)
- Já percebi, mas assim que passarem a barreira estarão a cometer uma infracção (paciência e repetição)
- Onde é que nós podemos reclamar? (mudança de táctica)
- O escritório da portagem abre às 9h!!! podem esperar!! Há estacionamento.
- ???? (9h??? esperar??? eu quero a minha caminha!!!!) Nós queremos NÃO PAGAR! (coro)
- Já ouvi o que me têm a dizer, mas têm de aceitar que obras de melhoramento têm de ser feitas. Se quiserem reclamar...
- Sim nós queremos reclamar!
- ... então têm de pagar primeiro!
E assim fazemos. Pagamos... ao Portageiro Filósofo.

Ainda hoje penso que o pagamento foi mais devido ao Portageiro por serviços de Retórica a horas extraordinárias do que à Brisa por (falta de) serviços de auto-estrada.

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